Janeiro está começando e em breve o ano letivo ganhará vida.
Novos calouros ávidos por uma “nova” vida de descobertas desembarcarão em
Adamantina. Nem faz um ano uma garota, em sua primeira semana de aula na
faculdade, teve suas pernas queimadas em um dia de acolhimento de calouros.
Jovem, em seus 17 anos e feliz por realizar o sonho de ingressar em uma
faculdade. Mas em um dia que deveria ser de festa foi interceptada por
“colegas” veteranos. Foi pintada com tintas e esmalte até que sentiu que
jogaram um líquido em suas pernas. Nada notou até que a água da chuva, por
ironia, em lugar de lavar e limpá-la provocou uma reação química que resultou
em queimaduras de terceiro grau em suas duas pernas. O mesmo aconteceu com uma
colega de turma que teve as pernas queimadas e outro rapaz que correu o risco
de perder a visão. O líquido? Uma provável mistura de creolina e ácido!
Casos amplamente noticiados pela imprensa local, regional e nacional. Mas
relatos contam mais sobre este dia trágico, como inúmeros casos registrados de
coma alcoólico, além de meninas que tiveram suas roubas rasgadas e sofreram
toda uma série de constrangimentos.
Fatos como estes contribuem para nos trazer de volta a realidade e,
guardadas as devidas proporções, ilustra que vivemos sim em um país onde a
“barbárie” ganha força e impera em diversos núcleos de nossa sociedade e se
alastra com uma rapidez de rastilho de pólvora. Casos se repetem em diversos
estados e cidades, o caso dos calouros da FAI de Adamantina não é e nem será o
último, quantas tristes histórias já foram relatadas, como a do o jovem morto
atirado em uma piscina da USP, amanhã mais um gay ou um negro, ou mais uma
mulher que não se “deu o valor” e andou por aí exibindo seu corpo.
Vivemos em uma sociedade de alienados, sujeitos que não conseguem sequer
interpretar um texto, nossas crianças são “condicionados nas escolas” jamais
educados. Infelizmente não há cultura neste país da desigualdade. Parece que
perdemos a capacidade de raciocinar, de entender o contexto e complexidade de
tudo os que nos cerca. Ninguém discute com seriedade o que está levando a nossa
sociedade a viver na idade das trevas.
O apresentador Chico Pinheiro do Bom dia Brasil, revoltado com os trotes
violentos, afirmou que estes alunos deveriam voltar para o ensino fundamental.
Discordo radicalmente dele, estes alunos deveriam voltar para o seio de suas
famílias e lá, sim, receber educação básica, educação para a vida.
Os pais estão terceirizando a educação de seus filhos e, em um mundo sem
tempo e repleto de culpa delegam a educação de seus filhos a professores que
não podem ser responsabilizados e muito menos tem competência e formação para
isso. Professores são facilitadores da inteligência coletiva, pais são os
educadores na/da/para a vida!
Nos dias de hoje o tempo passa rápido demais. Muito rápido, tão rápido
que nem dá tempo de tentar entender e processar o que foi vivido nas poucas
horas atrás.
A molecada acorda cedo, vai pra escola. Chega em casa, almoça ao mesmo
tempo que assiste TV, atualiza a conversa no WhatsApp, checa sua ‘TimeLine’ no
Facebook, curte páginas dos amigos, coloca em dia as curtidas do Instagram e
comenta de forma superficial - pois não compreende o contexto e complexidade -
as reportagens da TV. Se perguntar quem dividiu a mesa com eles (os pais também
estão brincando com o celular) é possível que nem tenham se dado conta, pois
estão mais próximos dos amigos “virtuais” do que daqueles que compartilham o
mesmo espaço, a mesma mesa e a mesma comida com eles. Mas o mais trágico nisso
tudo é que os pais, também, estão sentados à mesa assistindo TV, atualizando a
conversa no WhatsApp, checando sua ‘TimeLine’ no Facebook, colocando em dia as
curtidas do Instagram e comentando de forma superficial as reportagens da TV.
Depois do almoço os pais irão para o trabalho e os filhos para a aula de
computação, inglês, academia...
À noite ficarão no quarto em frente ao note navegando por sites que
jamais se lembrarão, conversando pelo skype, jogando on line, até a hora de
dormir.
No final de semana estes jovens dormirão a maior parte do tempo para se
preparar para a noite, para a balada, onde pegarão todos e todas e beberão até
cair.
Estes jovens entram muito cedo em sua vida pretensamente “adulta”. Já
“brincam” de papai e mamãe antes mesmo de brincar de casinha. Estes jovens são
lançados da infância, cada vez mais curta, direto para a vida “adulta”,
passando sem piscar pela adolescência.
Qual estrutura e base estes jovens terão para superar conflitos pessoais?
Comportam-se como adultos aos 13, 14, 15 anos e, em muitos casos são tratados
como adultos, mão não são adultos, são crianças e adolescentes que não sabem
absolutamente nada da vida, mas são cobrados como se soubessem de tudo e pior,
acreditam que sabem sobre tudo. Eles querem ser aceitos, infelizmente querem
ser aceitos em um mundo irreal de aparências!
Nesse “nosso” mundo do “parecer”, do “fake”, do consumo do corpo
perfeito, da mentira perfeita, do dinheiro a qualquer custo, do consumir e
exibir, da exposição sem limites, da falsa propaganda que vende vidas
“perfeitas” somos “forçados” a fazer parte dessa sociedade de “mentirinha”.
Na sociedade do consumo do corpo perfeito, da vida perfeita, do ser
perfeito, não existe espaço pra “ser humano”, não existe lugar “para sermos
quem somos”, aqueles que exibem suas imperfeições, pois o imperfeito não cabe
na aparência perfeita do mundo da mentira.
Todos nós queremos fazer parte de algo, ser parte de algo. Principalmente
quando somos jovens. Nossa turma é nossa razão de ser e estar no mundo.
Comportamo-nos como tribos, somos territorialistas e, fazer parte deste “algo”
nos confere identidade. E aí para fazer parte desse mundo, o jovem segue a
turma, mesmo em muitos casos, sem saber por que está fazendo isso, mesmo
sabendo que muitas coisas que fazem são erradas, vale a pena correr o risco
para “ser” parte da turma!
E neste mundo, empoeirado, intenta-se forçar o sujeito a aderir sem
contestação ao padrão de ser e estar neste “mundo”, reduzindo sublimes e
maravilhosas peculiaridades e particularidades, ou seja, nossas magníficas
diferenças, em uma uniformidade que se encaixa na perfeita adequação a uma
sociedade tamponada, uniforme, opaca, moralista, hipócrita. É a construção de
um mundo baseado em mentiras e sem alicerce.
As inquietudes de nossa alma deveriam ser tratadas em nossas relações
cotidianas, primeiro no seio carinhoso da família, depois nas escolas, nos
relacionando com os professores e com os colegas de aula, com os amigos e
também com os inimigos, com os namorados, patrões... Vivendo nossas experiências
boas e más, aprendendo a entendê-las. Passamos por frustrações a aprendemos a
superá-las. Este é o ciclo natural das coisas, é preciso viver para compreender
a vida, viver todas as emoções, boas e más, sorrir, chorar, vencer, perder,
amar, rejeitar, ser rejeitado, ter amigos, inimigos, construir alianças,
quebrá-las... Cabe a família dar o suporte, fornecer o alicerce para que este
ser, mesmo em épocas de tempestade, não desmorone. E na convivência cotidiana,
construirá seu edifício interno, com janelas, portas, divisórias, que poderá
balançar em muitos casos, mas jamais desabar se bem estruturado.
Mas como educar se os pais não têm “tempo” para ajudar estes jovens a
construir sua estrutura?
Os filhos não têm “tempo” para escutar o que os pais têm pra dizer,
talvez uma conferência familiar pelo Whats ou Skype, quem sabe...
Os amigos não têm todas as respostas
E talvez o mais triste para esta geração
O Google não tem todas as respostas.
Nossos jovens produzem eventos para postar, ser curtido e comentado.
Situações são criadas para movimentar e dar liquidez ao “mercado” da
popularidade, as “ações pessoais na bolsa virtual” crescem conforme o número de
“posts, comments e likes”. Uma sociedade baseada no consumismo, que valora cada
ser humano por seus bens de consumo e potencial de exibição do produto, passou
a consumir avidamente “vidas”. Vidas são colocadas em exposição, para o deleite
do consumidor e regozijo daquele que se expõe, pois quanto mais visto, mais é
consumido, assim, ganha popularidade, consequentemente “poder”. Uma sociedade
sem amor, sem paz e sem alma.
A alma não está sendo vendida para o diabo, mas sim, depositada em sites
de relacionamento e eventos que precisam ser constantemente alimentados para
nutrir o mercado. Se não existe um evento, tudo bem, faz-se imagem de si mesmo,
pois a imagem é tudo neste mundo baseado no TER, SER não importa, o que vale é
PARECER e, para parecer e aparecer é preciso exibir.
É imperativo que estes jovens compreendam que eles NÃO têm o valor do que
é “consumido” ou do que consomem em imagens, exposição, “likes”,
compartilhamentos e “comments”. O seu valor não é “subjetivo e líquido”, pois
este “valor” está na forma como ele se constitui enquanto ser humano real. SER
REAL não é nada fácil no mundo “líquido”, mas precisamos tentar, não apenas com
os jovens, mas também em relação a nossas vidas, pois creio que se hoje estas
moças e moços vivem dessa forma, não são nada diferente de quem os criou, pois
nossa sociedade vive de ter e exibir, nossa juventude nada mais é do que
reflexo de uma sociedade “adoentada”.
Pois nossas crianças já nascem sem tempo, extremamente competitivas,
presas em escolas integrais que garantirão seu “futuro”. E dessa forma continuarão
a lubrificar as engrenagens de nossa sociedade doente e “medicada” que confunde
saúde com remédios, consumo com qualidade de vida, amor com bens de consumo.
Estamos formando uma geração de egoístas, alienados e inconsequentes, que se
preocupam mais com sua imagem do que em "ser" humano.
Quando somos jovens, acreditamos que sabemos tudo, que estamos prontos
para a vida, mas viver nos ensina que a gente não sabe NADA sobre a vida.
Compreender e aceitar que não somos e nunca seremos perfeitos, que simplesmente
não sabemos de quase nada e nem temos certeza de tudo, nos torna mais abertos,
mais humanos, mais doces, mais amorosos e tolerantes, com nós mesmos e com os
outros. Mas para que nossos jovens possam compreender tudo isso, precisamos
cria-los para que sejam mais humanos, colaborativos, criativos, transgressores,
mas para isso, precisarão ser ensinados que serão alguém, não pela quantidade
de bens que possuírem e exibirem, mas sim, por “ser” humano, “ser” como verbo
de ação!
Isabel Cristina Gonçalves é
Adamantinense, Oceanógrafa, Mestre em Educação e Doutora em Educação Ambiental.
Atualmente trabalha como pesquisadora, Pós-Doutoranda, pelo Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA) no projeto: "Mudanças climáticas globais
e impactos na zona costeira: modelos, indicadores, obras civis e fatores de
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