Parte do alfabeto na
Língua Brasileira de Sinais
Foto: Divulgação / Associação de Tradutores
Intérpretes de Língua de Sinais do Oeste do Pará
A língua brasileira de sinais (libras) virou
assunto após a posse de Jair Bolsonaro (PSL) na Presidência da República, na
terça-feira (1º).
O discurso
da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em libras no parlatório do Palácio do
Planalto acendeu a discussão sobre as políticas públicas para acessibilidade de
deficientes auditivos no país. E se elas, de fato, funcionam.
Segundo o IBGE, 9,7 milhões de brasileiros são
surdos ou têm deficiência auditiva. O G1 conversou
com profissionais de libras e membros de associações voltadas ao tema.
Eles reconhecem avanços recentes na legislação, mas
dizem que as regras nem sempre são respeitadas e que, muitas vezes, são
implementadas de forma precária.
Michelle faz parte do Ministério de Surdos e Mudos
da Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, onde atua
como intérprete de libras nos cultos que acontecem aos domingos.
“Gostaria de modo muito especial de dirigir-me à
comunidade surda, às pessoas com deficiência e a todos aqueles que se sentem
esquecidos: vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho
esse chamado no meu coração e desejo contribuir na promoção do ser humano”,
disse a primeira-dama no discurso.
O que é libras?
As línguas de sinais usam gestos e movimentos para
substituir a comunicação por meio de sons. Elas tem léxico e gramática
próprios. Assim como cada povo desenvolveu seu idioma oral, cada comunidade
criou sua língua de sinais. Portanto, há versões de diferentes países.
O sistema brasileiro é derivado da língua de sinais
que se desenvolveu ao longo dos anos no país e também da língua gestual
francesa. Por isso, tem semelhanças com línguas de sinais da Europa e da
América.
A libras foi oficialmente reconhecida como uma
língua brasileira em 2002, na Lei nº 10.436, de 24 de abril, durante o governo
Fernando Henrique Cardoso.
Quais são as principais regras?
O decreto que regulamenta seu uso nos serviços
públicos foi assinado em 2005 pelo então presidente Lula (PT). Ele cria regras
para o atendimento de deficientes auditivos na educação e saúde federais, entre
outros serviços.
A lei que regulamenta a profissão de tradutor e
intérprete de libras foi sancionada em setembro de 2010, a partir de um projeto
apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT).
Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff (PT)
sancionou a lei que criou o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Entre outras
ações, ele determinou regras para facilitar o acesso de deficientes auditivos à
saúde, educação e outros serviços públicos.
Em 2016, para atender ao estatuto sancionado no ano
anterior, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) criou normas para garantir a
pessoas surdas o acesso aos cinemas. O prazo para que todas as empresas de
distribuição e exibição de filmes se adaptem às mudanças termina neste ano.
Conheça, abaixo, regras para uso de libras em
diferentes setores. Saiba também como pessoas envolvidas avaliam sua aplicação.
Educação
O decreto de dezembro de 2005 diz que todas as
instituições federais de ensino, da educação infantil à superior, devem
garantir a inclusão de pessoas surdas nos processos seletivos e nas atividades
curriculares.
Também precisam atender às necessidades
educacionais especiais de alunos deficientes nas salas de aula e em atividades
complementares.
Para isso, essas instituições têm entre as
obrigações:
· Ofertar,
desde a educação infantil, o ensino de libras e também da língua portuguesa,
como segunda língua para alunos surdos
· Contratar
professores ou instrutores de libras, além de tradutores e intérpretes
· Contratar
professores para o ensino de língua portuguesa como segunda língua para surdos
· Promover
cursos de libras para professores
· Adotar
mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado dos deficientes
· Disponibilizar
equipamentos, acesso às novas tecnologias e recursos didáticos para apoiar a
educação de alunos surdos
Na formação universitária de professores, a libras
deve ser incluída como disciplina curricular obrigatória para o magistério em
nível médio e superior, segundo o texto.
Neivaldo Zovico, diretor regional da Federação
Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), explica que o sistema
funciona, mas faltam profissionais mais qualificados nas escolas.
“Profissionais com formação em cursos de libras de
poucas horas, que não têm fluência, conseguem muitas das vagas. Isso prejudica
a comunicação dos surdos na sala de aula”, diz Neivaldo, que é surdo, em
entrevista por WhatsApp.
Segundo ele, o ideal é que professores e
intérpretes de libras passem por bancas de avaliação nas escolas, o que muitas
vezes não acontece.
Vinicius Nascimento, representante da Federação de
Tradutores e Intérpretes de libras, diz que a chance de formação dos
profissionais de libras aumentou, mas ainda é insuficiente:
“São oito cursos universitários para formar
profissionais que devem atender a mais de nove milhões de surdos no Brasil.”
Saúde
Pela lei, deficientes auditivos têm direito ao
atendimento por profissionais capacitados em libras na rede de serviços do SUS
(Sistema Único de Saúde) e nas empresas que detêm concessão de serviços
públicos de assistência à saúde. Essas instituições devem dar apoio à
capacitação desses profissionais.
Elas também são orientadas a promover ações
integradas com a área da educação no atendimento fonoaudiológico às crianças,
adolescentes e jovens matriculados no ensino básico.
“Isso só acontece em alguns lugares. A legislação
obriga, mas nem sempre é cumprida”, diz Neivaldo. Ele conta:
“Eu mesmo já fui a posto de saúde para pedir
remédios, não consegui ser atendido e fiquei sem o medicamento.”
Vinícius diz que algumas grandes cidades do Brasil
tentaram concentrar esse atendimento de serviços públicos em centros em que
tradutores de libras são chamados sempre que algum surdo tem dificuldade de
usar algum serviço.
São Paulo, por exemplo tem a Central de
Intermediação em Libras, em que a ajuda de profissionais pode ser agendada ou
pedida para o uso de serviços da prefeitura.
“É uma iniciativa muito legal, mas ainda precisa
que o surdo acione o serviço, e ele nem sempre vai poder atender. O que a
comunidade surda deseja é que o atendimento esteja disponível antes do acesso,
para que ele possa ir a um posto de saúde ou outro local como qualquer outro
cidadão”, diz Vinícius.
Outros serviços públicos
Também são obrigados a garantir o atendimento a
pessoas surdas por meio de libras os órgãos da administração pública federal e
empresas concessionárias de serviços públicos.
Para isso, devem ter, no mínimo, 5% de servidores,
funcionários ou empregados com capacitação básica na língua. Eles são
autorizados ainda a contratar intérpretes especificamente para essa função.
O problema, neste caso, é determinar o que
significa essa “capacitação básica”. Vinícius diz:
“Muitas vezes estes órgãos dão um curso de 30 horas
para os atendentes. Neste tempo, ele só vai aprender a dar ‘bom dia’, ‘boa
tarde’ e ‘boa noite’ em libras.”
A experiência de Neivaldo confirma isso. “Depende
do lugar a que vamos. Há interpretes que são capacitados, e outros não, que
prejudicam o atendimento. Ele precisa ter uma fluência para nos atender.”
Cultura
Em 2016, a Ancine publicou uma instrução normativa
para regulamentar a acessibilidade visual e auditiva na distribuição e exibição
de filmes no país.
O texto determina que devem ser adaptadas com
tecnologias de legendagem descritiva, audiodescrição e libras:
· 50%
das salas de cinema comerciais de grupos exibidores com mais de 20 salas
· 30%
das salas de grupos com menos de 20 salas
A orientação é que os recursos não interfiram na
fruição dos demais espectadores.
O prazo para as empresas adotarem as mudanças,
inicialmente fixado em 16 de novembro de 2017, foi adiado para a mesma data de
2018. Segundo a Ancine, 16 de setembro de 2019 é o prazo limite para que todo o
parque exibidor brasileiro ofereça os recursos.
Há dois anos, a maioria das produtoras e
distribuidoras já entregam os filmes com audiodescrição, legendas descritivas e
leitura em libras aos cinemas, conforme exigência da Ancine.
O atraso para o público ter acesso a isso acontece
por falta de um formato de exibição destes conteúdos acessíveis nas salas de
cinema, diz Ronaldo Bettini Jr. Diretor de negócios da ProAcess, empresa que
produz equipamentos de áudio e interpretação simultânea.
Uma das soluções desenvolvidas por sua empresa é de
um monitor individual, que pode ser acoplado ao porta-copos da cadeira de
cinema, por exemplo, que pode exibir a legenda descritiva ou o vídeo com a
leitura em libras. Ronaldo explica:
“O monitor tem haste flexível e uma tela na ponta.
O usuário faz um movimento com a haste e posiciona a tela na altura que quiser,
na direção da tela principal, e por ali ele vai ter a informação tanto de vídeo
quanto de legenda descritiva.”
Segundo ele, algumas salas de cinema de São Paulo
vão começar a oferecer estes monitores ao público surdo em fevereiro de 2019,
mesmo antes do prazo determinado pela Ancine, em setembro.