Após 20 anos de magistério, Paulo Rafael Procópio,
62, irá abandonar a profissão. A decisão foi tomada no fim do mês passado, após
ter sido agredido por um estudante de 14 anos que jogou um caderno em seu rosto
e o atingiu com socos.
Paulo lecionava em uma escola estadual em Lins
—município paulista com menos de 80 mil habitantes, que registrou outros dois
casos de agressão física contra professores em menos de uma semana. A sequência
de casos na região reabre o debate sobre um grave problema do contexto
educacional brasileiro.
O país lidera um ranking de violência nas escolas
elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), com mais de 100 mil professores e diretores de escola do segundo ciclo
do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (alunos de 11 a 16 anos).
O levantamento considera dados de 2013, quando 12,5%
dos professores brasileiros ouvidos relataram ser vítimas de agressões verbais
ou de intimidação de alunos ao menos uma vez por semana. A média entre os 34
países pesquisados é de 3,4%. O Brasil é seguido por Estônia (11%) e Austrália
(9,7%).
Além das agressões físicas e verbais, as condições
de trabalho são muito estressantes em algumas regiões. No caso do Rio de Janeiro,
por exemplo, professores convivem com confrontos armados nos arredores das
escolas onde trabalham e ameaças recorrentes de estudantes e familiares.
As consequências dessa realidade para os
profissionais da educação são graves. Em 2018, a Secretaria Municipal de
Educação concedeu 3.055 licenças por doenças como transtorno ou reação ao
estresse, depressão e esquizofrenia - o que equivale a uma licença a cada três
horas. O número corresponde a 8% do quadro de professores do município.
O quadro é extremamente complexo e envolve causas de
diferentes naturezas. Porém, especialistas ouvidas pela DW Brasil apontam uma
relação fundamental entre a violência e a ausência de uma política de
convivência escolar no Brasil. Sem um plano que oriente as escolas a prevenir e
lidar com o problema, fica-se refém de iniciativas pontuais, que dependem da
presença de gestores específicos e podem não ter continuidade, apontam.
A pesquisadora Telma Vinha, professora da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (GEPEM), alerta para o fato de
que os estudos sobre a violência contra professores costumam agrupar casos de
agressões verbais e físicas, como é o caso do ranking da OCDE.
"A violência contra professores tem que chocar
mesmo, é inadmissível. Mas não é tão frequente como as pessoas colocam. O dado
também inclui agressões verbais. Não dá para por as duas coisas no mesmo
balaio. Às vezes, o aluno reage com um palavrão a algo dito pelo professor. É
claro que não poderia falar desse jeito, mas é bem diferente de agredir
fisicamente. Alunos que agem assim são ofensivos, mas, por vezes, levam a
linguagem que usam cotidianamente entre os pares para a sala de aula",
avalia.
Um estudo realizado pela pesquisadora Maria
Díaz-Agudo, na Espanha, em 2015, mostrou que havia características comuns entre
os alunos que admitiam ter cometido agressões físicas e verbais contra
professores, a maioria meninos entre 12 e 14 anos: múltiplas situações de risco
e ausência de proteção; problemas acadêmicos e dificuldades na aprendizagem;
maiores taxas de repetência; maior número de faltas sem justificativa e o
recebimento de punições com maior frequência.
De acordo com a professora da Unicamp, levantamentos
realizados no Brasil revelam um perfil bem semelhante dos jovens que cometem
esse tipo de ação violenta. Ela cita como exemplo o estudante de 15 anos que,
em agosto de 2017, agrediu a professora Marcia Friggi, em Santa Catarina.
Tratava-se de um adolescente com histórico de
violência familiar, que via o pai chegar alcoolizado em casa com frequência e
havia sido espancado por ele mais de uma vez. Na ocasião, ele já realizava
trabalhos comunitários por ter agredido colegas e era medicado contra ataques
de raiva. Além disso, o rapaz apresentava histórico de uso de drogas.
"Chama atenção o fato de que esses alunos são
bem conhecidos dos educadores. A relação de suas famílias com a escola é menos
frequente. Geralmente, os responsáveis não querem mais ouvir que o filho é
agressivo, pois já não sabem o que fazer sobre isso. Se a escola sabe desse
perfil, é possível atuar de outra forma", afirma Telma.
Medidas para melhorar convivência
São diversas as ações apontadas pela pesquisadora
como possíveis medidas para melhorar a convivência escolar. Ela lembra que
ações coercivas mais duras, como a expulsão do jovem, não irão impedir que ele
reproduza o comportamento em outros ambientes. As medidas sugeridas incluem
organizar assembleias em salas de aula em que os conflitos possam ser
permanentemente trabalhados e envolver os estudantes na elaboração e aplicação
de regras.
No estudo realizado na Espanha, foi observado que
mais da metade dos jovens que agrediram fisicamente seus professores alegam ter
sido a redidos or eles, inclusive fisicamente. O dado revela uma percepção
distorcida das ações praticadas por esses estudantes e da assimetria na relação
de sala de aula.
Essa característica é associada a uma dificuldade de
regulação da raiva, que leva a ações mais impulsivas. Por isso, a atitude de
confrontação pode ser um dos principais gatilhos para a violência nesses casos
— como uma ordem para que o aluno se retire de sala.
Nesse sentido, a ausência do debate sobre
convivência escolar na formação dos professores representa um grande desafio.
Na Faculdade de Educação da Unicamp, referência na formação de professores, não
há uma disciplina sequer que trabalhe o tema das relações interpessoais.
A ausência desse debate também foi observada nas
pesquisas conduzidas pela socióloga Miriam Abramovay, coordenadora da Área de
Estudos e Políticas sobre a Juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais (Flacso), que há duas décadas estuda o tema da violência no ambiente
escolar.
"A forma de ver quem são os adolescentes e
jovens que estão nas escolas não foi repensada, tampouco a forma como nós vamos
responder aos seus anseios", analisa.
Buscando contribuir para suprir a lacuna detectada
na formação dos professores, a Flacso lançou recentemente um curso online de um
ano e meio sobre juventude, adolescência, violência nas escolas, sexualidade e
drogas, voltado a professores e outros profissionais da área de educação.
Uma experiência recente organizada pela Flacso em
parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou o potencial dessa
iniciativa. Em Teresina (Piauí), um formato mais simples do curso foi oferecido
de forma presencial a educadores e guardas municipais.
O objetivo, segundo Abramovay, é fazer com que esses profissionais possam olhar para a escola de forma mais científica, saindo do senso comum. "É impressionante como eles descobrem outro mundo, uma escola que não imaginavam", conta.
O objetivo, segundo Abramovay, é fazer com que esses profissionais possam olhar para a escola de forma mais científica, saindo do senso comum. "É impressionante como eles descobrem outro mundo, uma escola que não imaginavam", conta.
Abramovay lamenta, ainda, que as políticas públicas
não considerem a relação entre o tema da convivência escolar e indicadores de
desempenho.
"Quando acontecem casos de violência, não só o
professor se prejudica pessoalmente, como também a escola e todos os alunos. Há
consequências na aprendizagem, evasão e repetência. O clima escolar é
fundamental para termos escolas de melhor qualidade, que é nossa discussão
essencial. Tenho a impressão de que só uma política pública de convivência
escolar pode melhorar esse problema", opina.