Professora conta como a metodologia de
organizar a sala de aula em círculo favorece a inclusão dos estudantes.
Questiono o
currículo de História diariamente. Não consigo conceber que os meus alunos
aprendam as mesmas coisas e do mesmo modo que eu aprendi há mais de vinte anos,
quando eu também era aluna do Ensino Fundamental.
Não consigo conceber que os conteúdos sejam ministrados sem haver qualquer relação com o tempo presente e com a realidade na qual eles vivem. Além disso, é inaceitável que o currículo seja estruturado apenas pelo pensamento europeu e estadunidense. O mundo é grande e diverso demais. Negros, indígenas e demais povos também devem protagonizar os saberes difundidos pela escola.
Nesse ano resolvi questionar a organização da sala de aula. Comecei a refletir se as carteiras enfileiradas não contribuíam para a falta de atenção e interesse das turmas. Desse modo, perguntei aos meus alunos se eles sabiam que as salas são iguais há mais de um século. Não houve respostas para a minha pergunta. Perplexos, eles pareciam não entender o que eu disse.
Perguntei mais uma vez. Finalmente ouvi uma resposta:
– Se a sala é a mesma há mais de cem anos, então está na hora de mudar! – Afirmou o Marcos.
Mudar. É o que estamos tentando fazer desde fevereiro. Propus aos alunos que durante as aulas expositivas eles sentassem em círculo. Propus também que as atividades fossem feitas em duplas ou grupos. A organização “tradicional” da sala permaneceria nos dias de provas individuais.
Inicialmente, não foi muito fácil. Meu coração gelava ao pensar que as mesas e cadeiras saíriam do lugar para a formação de um círculo.
– Por favor! Não joguem a sala no chão! – Eu dizia sempre.
Já não temo que ocorra um terremoto na sala cada vez que precisamos formar um círculo. Em alguns minutos ele está redondinho. Os alunos cobram aulas nesse formato:
– Professora, nós vamos sentar em círculo hoje?
Sim. Sentamos em círculo hoje. Partindo do Iluminismo, discutimos sobre intolerância religiosa, o que me deixou muito feliz. Trabalho em um território no qual 80% das crianças e dos adolescentes frequentam igrejas denominadas evangélicas. Infelizmente, pastores neopetencostais têm sido responsáveis pela disseminação do ódio contra as religiões de matriz africana.
Penso que esse debate só foi possível porque estabelecemos uma relação de confiança. Eles sabem que ao organizar um círculo não estou ali para impor minha opinião, mas para orientar, ouvir, refletir. Eles sabem que o meu maior interesse é colaborar para a construção de um mundo em que nenhum tipo de preconceito ou discriminação seja tolerado. Eles sabem que estou ali para dividir o que sei e o que vivi.
Ao adotar diferentes formas de organização da sala de aula, tenho percebido um maior interesse por parte dos alunos em relação às atividades ministradas. Atividades realizadas em dupla e em grupo na maioria das vezes são feitas com mais entusiasmo. O círculo impede que “os alunos fiquem invisíveis”. Todos têm o direito de falar e de ser ouvido.
O círculo tem contribuído para o processo de inclusão dos alunos excluídos em função de suas deficiências. Durante o debate, Miguel, que tem deficiência intelectual, pediu para conduzir a leitura. Foi uma surpresa para todos nós. Em três anos, ele jamais havia participado da aula.
Não consigo conceber que os conteúdos sejam ministrados sem haver qualquer relação com o tempo presente e com a realidade na qual eles vivem. Além disso, é inaceitável que o currículo seja estruturado apenas pelo pensamento europeu e estadunidense. O mundo é grande e diverso demais. Negros, indígenas e demais povos também devem protagonizar os saberes difundidos pela escola.
Nesse ano resolvi questionar a organização da sala de aula. Comecei a refletir se as carteiras enfileiradas não contribuíam para a falta de atenção e interesse das turmas. Desse modo, perguntei aos meus alunos se eles sabiam que as salas são iguais há mais de um século. Não houve respostas para a minha pergunta. Perplexos, eles pareciam não entender o que eu disse.
Perguntei mais uma vez. Finalmente ouvi uma resposta:
– Se a sala é a mesma há mais de cem anos, então está na hora de mudar! – Afirmou o Marcos.
Mudar. É o que estamos tentando fazer desde fevereiro. Propus aos alunos que durante as aulas expositivas eles sentassem em círculo. Propus também que as atividades fossem feitas em duplas ou grupos. A organização “tradicional” da sala permaneceria nos dias de provas individuais.
Inicialmente, não foi muito fácil. Meu coração gelava ao pensar que as mesas e cadeiras saíriam do lugar para a formação de um círculo.
– Por favor! Não joguem a sala no chão! – Eu dizia sempre.
Já não temo que ocorra um terremoto na sala cada vez que precisamos formar um círculo. Em alguns minutos ele está redondinho. Os alunos cobram aulas nesse formato:
– Professora, nós vamos sentar em círculo hoje?
Sim. Sentamos em círculo hoje. Partindo do Iluminismo, discutimos sobre intolerância religiosa, o que me deixou muito feliz. Trabalho em um território no qual 80% das crianças e dos adolescentes frequentam igrejas denominadas evangélicas. Infelizmente, pastores neopetencostais têm sido responsáveis pela disseminação do ódio contra as religiões de matriz africana.
Penso que esse debate só foi possível porque estabelecemos uma relação de confiança. Eles sabem que ao organizar um círculo não estou ali para impor minha opinião, mas para orientar, ouvir, refletir. Eles sabem que o meu maior interesse é colaborar para a construção de um mundo em que nenhum tipo de preconceito ou discriminação seja tolerado. Eles sabem que estou ali para dividir o que sei e o que vivi.
Ao adotar diferentes formas de organização da sala de aula, tenho percebido um maior interesse por parte dos alunos em relação às atividades ministradas. Atividades realizadas em dupla e em grupo na maioria das vezes são feitas com mais entusiasmo. O círculo impede que “os alunos fiquem invisíveis”. Todos têm o direito de falar e de ser ouvido.
O círculo tem contribuído para o processo de inclusão dos alunos excluídos em função de suas deficiências. Durante o debate, Miguel, que tem deficiência intelectual, pediu para conduzir a leitura. Foi uma surpresa para todos nós. Em três anos, ele jamais havia participado da aula.
Miguel leu no
tempo dele. Sem qualquer interrupção dos colegas. Fiquei olhando. Tentando me
conter. Ao ler, ele estava me dizendo que se sentia incluído através da nova
organização da sala . Ele estava dizendo que tinha vontade de participar, mas
recalcava esse desejo ao se esconder atrás dos colegas no formato tradicional
da sala. Quando propus as aulas em círculo, jamais imaginei isso. Daí a minha
emoção.
Ao final da aula, Miguel me disse:
– Professora, toda vez que for para ler, a senhora pode me chamar!
Dei um longo abraço no Miguel. Disse o quanto estava feliz e orgulhosa!
– Pode deixar, Miguel! Toda vez que for para ler, vou te chamar! – Respondi.
Deixei a escola pensando no quanto pequenas mudanças podem desencadear transformações significativas. Para os meus alunos e para mim também.
Pode parecer uma incoerência falar das minhas alegrias enquanto professora num momento em que a educação pública desse país está sendo completamente destruída. Em todos os níveis. Cotidianamente, nós professores sofremos com os baixos salários e com a precarização do nosso trabalho.
Ao final da aula, Miguel me disse:
– Professora, toda vez que for para ler, a senhora pode me chamar!
Dei um longo abraço no Miguel. Disse o quanto estava feliz e orgulhosa!
– Pode deixar, Miguel! Toda vez que for para ler, vou te chamar! – Respondi.
Deixei a escola pensando no quanto pequenas mudanças podem desencadear transformações significativas. Para os meus alunos e para mim também.
Pode parecer uma incoerência falar das minhas alegrias enquanto professora num momento em que a educação pública desse país está sendo completamente destruída. Em todos os níveis. Cotidianamente, nós professores sofremos com os baixos salários e com a precarização do nosso trabalho.
Acontece que
entrar na sala de aula e com o apoio dos meus alunos tentar fazer dela uma
“comunidade de aprendizado entusiasmada” é a forma que encontro de resistir a
todo horror que nos cerca.
Luana Tolentino é mestra em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e professora de História da rede estadual de educação de Minas Gerais.
Luana Tolentino é mestra em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e professora de História da rede estadual de educação de Minas Gerais.