Políticos, especialistas e entidades se
manifestaram a favor e contra o
decreto que facilita a posse de armas assinado nesta terça-feira
(15) pelo presidente Jair Bolsonaro. O direito à posse é a
autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (desde
que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento).
Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito
ao porte, cujas
regras são mais rigorosas e não foram tratadas no decreto.
Veja, abaixo, pontos a favor e contra o decreto, citados por políticos
e especialistas:
OPINIÕES A FAVOR
- O decreto levou em
conta critério objetivo que identifica locais com alta violência.
- No referendo de
2005, a maioria da população se manifestou a favor do direito de comprar
uma arma.
- Bolsonaro foi
eleito pela população e já defendeu abertamente mudanças no Estatuto do
Desarmamento.
- O decreto diminui
as dificuldades para comprar e ter a posse de armas.
- Também desvincula a
posse de arma da subjetividade do delegado da Polícia Federal, que era
quem autorizava a compra de arma quando a pessoa solicitava com alegação
de necessidades pessoais.
- Com a ampliação da
validade do registro de posse, será mais fácil manter os armamentos
legalizados.
- A arma registrada
ficará na residência da pessoa que a registrou.
- Atualmente, apenas
"as pessoas de bem" estão desarmadas.
- Criminosos terão
medo ao invadir uma casa para cometer um assalto.
- A arma de fogo
serve como proteção pessoal e é como uma faca, que também pode matar.
- Países como os
Estados Unidos permitem que o cidadão tenha uma arma em casa, como
garantia da democracia.
OPINIÕES CONTRA
A circulação de armas vai aumentar – e mais armas
significam mais mortes.
O referendo de 2005 foi sobre o comércio de armas, e não sobre a posse
de armas.
Segundo pesquisa do Datafolha, a maioria da população é contra a posse
de armas.
O decreto considera um estudo de 2016 como referência para permitir a
posse de arma e não leva em conta dados recentes e realidades diferentes entre
os estados.
Levantamentos mostram que a maior parte das armas
de fogo utilizadas em ocorrências criminosas foram originalmente vendidas de
forma legítima a cidadãos autorizados, que depois tiveram a arma desviada ou
subtraída.
O decreto extrapola a competência prevista para o
Poder Executivo, e não houve discussão sobre o assunto no Congresso e na
sociedade.
É um chamariz para a população, mas não trará
melhorias para a segurança pública. O poder público se omite e entrega o
cidadão à própria sorte.
Mais armas em casa trazem riscos de acidentes com
criança, suicídio, briga de casais e discussões banais.
Apresenta brechas ao não especificar se haverá
fiscalização para checar as informações declaradas e também ao tratar a posse
de arma por comerciantes.
Haverá menor controle das condições psicológicas e
dos antecedentes criminais de quem tem a posse de arma.
Veja, abaixo, o que disseram políticos, entidades e
pesquisadores:
POLÍTICOS
Alberto
Fraga (DEM-DF), deputado – "Essa questão da efetiva necessidade
comprovada foi o 'pulo do gato' que o PT encontrou na época [...]. E nós temos
três requisitos impeditivos, que são o curso de tiro, não ter antecedentes
criminais e também avaliação psicológica. O quarto requisito, o mais simples, a
comprovação da necessidade, é apenas a sua vontade. [...] A Polícia Federal, ao
receber o requerimento, não é para checar a declaração. A declaração do
cidadão, após cumprir os três requisitos impeditivos, a declaração é de boa-fé.
Se ele estiver mentindo – e o decreto prevê isso – se colocar informações
falsas, terá o pedido negado."
Alessandro
Molon (PSB-RJ), deputado e um dos vice-líderes do PSB na Câmara – "Facilitar
o acesso a armas é erro grave por várias razões. Primeiro, porque, como estudos
científicos provam, mais armas significam mais mortes, e não o contrário.
Segundo, porque é uma forma de o poder público entregar o cidadão à sua própria
sorte, em vez de garantir segurança pública, como é obrigação do estado.
Terceiro, porque a maioria da população é contra, como mostra a última pesquisa
Datafolha. Quarto, porque se baseia em uma mentira: de que o Referendo de 2005
não foi cumprido. Falso: o comércio de armas continuou existindo no Brasil,
como foi decidido."
Alex Manente
(PPS-SP), deputado, líder do PPS na Câmara – "Eu acho que o Bolsonaro
está reproduzindo o que ele prometeu na sua campanha, mas esse é um assunto que
merece uma discussão no próprio Parlamento. Acho que tem, sim, um risco de
haver uma resistência no Congresso ao decreto, mesmo que ele já esteja valendo.
Eu acredito que temos preocupações maiores do que isso, tanto é que uma
pesquisa recente mostrou que a maior parte da população não é favorável à
flexibilização da posse."
Elmar
Nascimento (DEM-BA), deputado e líder do DEM na Câmara – "O decreto
vai ao encontro das promessas que ele [Bolsonaro] assumiu na campanha. Então,
não é nenhuma surpresa, mas acho que isso não deveria ser nunca prioridade. A
prioridade deve ser a agenda econômica. E uma pesquisa recente mostrou que esse
tema da posse de arma não tem tanto apelo na população. Além disso, quando as
coisas são feitas à base de decreto trazem muita insegurança. A gente não sabe
como isso vai se refletir no Congresso. Seria muito mais prudente se o
presidente tivesse enviado ao Congresso um projeto de lei ou, no mínimo, uma
medida provisória, para que isso fosse discutido pelo Legislativo."
Ivan Valente
(PSOL-SP), deputado e um dos vice-líderes do PSOL na Câmara – "No
primeiro dia da legislatura, vamos apresentar um projeto para sustar o decreto
presidencial pela inconstitucionalidade e a exorbitância do poder regulamentar.
O decreto atropelou o Estatuto do Desarmamento. Com esse decreto, eles fizeram
uma manobra por fora mudando o estatuto em vários pontos, liberando
praticamente a posse de armas, mas também apontando no sentido da
flexibilização do porte. Isso mostra que o governo não tem uma política de segurança
pública. É uma medida propagandística, sem nenhuma efetividade porque as
estatísticas mostram que só haverá aumento da violência e insegurança. Será um
bangue-bangue geral."
Paulo
Pimenta (PT-RS), deputado, líder do PT na Câmara – "Esse decreto fala
em residentes. Se em uma casa residem quatro pessoas com mais de 25 anos que se
enquadram nos critérios estabelecidos, essa casa poderá ter 16 armas. [...]
Isso aqui é uma irresponsabilidade institucional. Se daqui a 60 dias nós
chegarmos à conclusão de que isso aqui foi um erro, como é que nós faremos para
recolher essas armas, que estarão disseminadas pelo país? Nós vamos apresentar
um projeto de decreto legislativo no Congresso [para sustar os efeitos do
decreto] e vamos entrar com uma Adin [ação direta de inconstitucionalidade] no
Supremo Tribunal Federal porque esse decreto extrapola os limites da lei, vai
além dos limites da lei. O decreto extrapola as competências previstas na
legislação para o Executivo de regulamentar aquilo que a lei prevê. Ela invade
competência do Poder Legislativo. Portanto, essa matéria não pode ser tratada
por meio de decreto."
Sergio Souza
(MDB-PR), deputado, um dos vice-líderes do MDB na Câmara – "Com
determinadas condicionantes, sou a favor da liberação da posse de arma. Hoje, o
bandido entra em uma casa ou propriedade rural com a mente fixa de que lá não
vai ter arma. Houve o desarmamento só das pessoas de bem. Se o bandido souber
que dentro de uma casa pode ter uma arma, isso já tolher a sua ação. O Estatuto
do Desarmamento não proíbe a posse de arma, e a regulamentação tem que ser
feita por decreto. Se quiser avançar, modificar regras, como calibre, aí terá
que passar pelo Congresso."
Entidades
Associação
dos Oficiais da Reserva da PM no Brasil (presidente Elias Miller da Silva,
coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo) – "Entendemos que
este decreto tirou o subjetivismo que havia nas mãos do delegado da PF para
autorizar a compra da arma, quando a pessoa pedia para necessidades pessoas.
Agora, o artigo 12 parágrafo 1º do decreto diz que, se presume a efetiva
necessidade pelo pedido e pelos documentos de quem solicitar, cabendo, mesmo
assim, à PF, verificar isso. No referendo do estatuto do desarmamento, 60
milhões de pessoas votaram em 2005 pelo 'sim' para o direito de comprar uma
arma, revogando um dispositivo do estatuto que proibia a compra. O referendo
foi resultado da soberania popular diretamente, mas o governo do PT descumpriu
a soberania popular, restabelecendo a proibição e deixando a compra no poder
discricionário do delegado da PF, que dizia quando era ou não necessário a
compra pela pessoa. Temos que vincular este decreto ao referendo do estatuto do
desarmamento e ao sufrágio universal que acabou com a eleição do Bolsonaro.
Isso é democracia. O povo, mais uma vez, legitimou esta proposta (de
flexibilização da compra de armas) elegendo o Bolsonaro. Nos Estados Unidos, o
cidadão é autorizado a ter arma em casa, como garantia da democracia mesmo.
Enquanto isso, em países como Venezuela, apenas o Exército possui armas, o povo
não tem. O poder da arma não está na arma, mas naquilo que se pode fazer com a
arma. Ela é como uma faca em casa, que também pode matar. O que nos preocupa não
é a arma legal, registrada, que a pessoa possui em casa, mas sim, as armas
ilegais, que entram livremente pela fronteira, e de calibres restritos e
proibidos. Estas armas, sim, estão circulando livremente. Já as armas nas mãos
das pessoas estarão registradas, ficarão em casa, e caso a pessoa descumpra a
legislação e tenha o registro apenas para posse e a porte nas ruas, ela será
presa, sob pena de reclusão de 2 a 4 anos. A questão não é a arma, a questão é
cultura. O povo tem o direito de ter uma arma até para se rebelar contra a
tirania, ainda mais contra um criminoso que entra na sua casa. Você se defende
com o alarme, por exemplo, com uma faca, com uma arma, com aquilo que tem. O
que mata no Brasil é a arma irregular."
Associação
de Praças das Forças Armadas (sargento José Nogueira, integrante da diretoria)
– "Nós, militares, somos a favor do decreto porque isso, na verdade,
era para ter saído há muitos anos. A restrição às armas estava em desacordo com
o que a população votou no referendo do estatuto do desarmamento. Estamos
aplaudindo e somos favoráveis à mudança feita pelo Bolsonaro. Acredito que a
gente vai normalizar e ter as autorizações que todos buscavam antes e que não
tinham a autorização. Tínhamos muitos pedidos negativos para compra por parte
do Exército. Agora, acreditamos que a autorização para a compra e aquisição
será mais fácil e flexível porque a legislação, até então, não estava muito
amarrada, fechada, o que impedia que muitos militares conseguissem
comprar."
Associação
Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam) – "A Aniam entende
que o presidente da República, Jair Bolsonaro, dentro das limitações do
Decreto, foi muito feliz nas medidas estabelecidas, cumprindo com o que foi
prometido em sua campanha eleitoral. As mudanças focaram no que realmente
impossibilitava os cidadãos de terem uma arma de fogo para proteção pessoal, de
sua família e propriedade, acabando com a discricionariedade na análise dos
pedidos para o registro de armas de fogo e definindo as situações de efetiva necessidade.
Diferentemente dos boatos de que haveria uma restrição do número de armas que
poderiam ser adquiridas, o decreto na verdade não limitou, sendo permitido até
quatro armas pela efetiva necessidade, e não excluindo a aquisição em
quantidade superior a esse limite, desde que se apresentem fatos e
circunstâncias que a justifiquem, conforme legislação vigente. Outro ponto que
a Aniam considera importante é a renovação automática dos Certificados de
Registro de Arma de Fogo expedidos antes da data de publicação do Decreto,
colaborando para manter estes armamentos legalizados. Sendo uma das bandeiras
do atual governo, a Aniam acredita que outras mudanças positivas como estas
deverão vir no futuro para garantir o direito dos cidadãos brasileiros à legítima
defesa."
Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – "O Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, embasado em estudos nacionais e internacionais sobre as
causas de homicídios e outros crimes violentos, lamenta a publicação por parte
do governo federal do decreto que facilita a posse de armas de fogo. Trata-se
de uma aposta na violência, uma vez que existem evidências bastantes robustas
dentro do debate sobre segurança pública que, quanto mais armais, mais crimes.
Inicialmente, lamentamos que o presidente Jair Bolsonaro tenha optado por
evitar a discussão do assunto, no Congresso e na sociedade, quando decidiu
realizar a alteração por decreto. A falta de contraditório sempre empobrece o
debate. A prioridade do governo deveria ser melhorar seus próprios instrumentos
de controle de circulação de armas de fogo. Basta dizer que 94,9% das armas
apreendidas em 2017 não foram cadastradas no sistema da Polícia Federal
(SINARM) e 13.782 armas legais foram perdidas, extraviadas ou roubadas, o que
equivale a 11,5% das armas apreendidas pelas polícias no mesmo ano. É como se
um mês de trabalho das polícias tivesse se perdido. Estranhamos ainda que o
suposto critério adotado para a facilitação da posse, ou seja, nos estados onde
a taxa de homicídios seja maior que 10 por 100 mil habitantes, simplesmente dá
direito a todo cidadão brasileiro a ter uma arma de fogo. Ou seja, é um “não
critério”. Trata-se de uma forma de burlar o espírito de Estatuto do
Desarmamento. Um decreto nunca poderia ser superior a uma lei. E a lei estipula
que é necessário haver um critério. O decreto presidencial sinaliza uma aposta
política muito grande na suposta defesa individual, contrariamente a políticas
de segurança pública coletivas. Lamentavelmente, ele enfraquece a ideia de
articulação entre as diferentes esferas de governo e poder, que é a única forma
de vencer a batalha da segurança pública, ou seja, gerando políticas efetivas
de redução da criminalidade e da violência."
Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, FBSP (Samira Bueno, diretora-executiva) –
"O estatuto do desarmamento pode ser aprimorado. Uma das críticas é que
argumentavam que era muito difícil conseguir posse de arma de fogo porque
dependia de critério subjetivo, dependia do delegado aprovar ou não a
necessidade de você ter um arma de fogo. Essa crítica tinha fundamento. Podia
pensar em critérios mais objetivos para definir o que é a necessidade ou não de
ter arma de fogo para balizar a decisão dos delegados para fazer essa análise.
O que o decreto faz é expandir de forma muito significativa a posse. (...) A
pessoa vai escrever uma carta de próprio punho dizendo que ela precisa ter uma
arma de fogo. Assim, você não resolveu o problema. Continua subjetivo. Qualquer
um vai dizer que precisa de arma de fogo e você está liberando a arma para
essas pessoas. Então, você está ampliando demais as possibilidades de você ter
uma arma de fogo. O [decreto] inclui que qualquer residente em estados com
taxas acima de 10 mortes por 100 mil habitantes considera-se um estado com
necessidade. Isso é basicamente a população inteira, pois todos os estados têm
a taxa acima de 10. (...) Isso não é critério, pois quando você coloca que é
acima de 10 por 100 mil, você está dizendo a população inteira, pois abarca
todos os estados."
Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, Ibccrim (Thiago Bottino, coordenador-chefe de
Estudos e Projetos Legislativos do Ibccrim e professor de direito penal da
Fundação Getúlio Vargas no Rio – FGV-RJ) – Sobre ter quatro armas: antes
você tinha esse limite de seis armas por cidadão, mas tinha o requisito da
efetiva necessidade, que é subjetivo, não tinha um padrão, mas era analisado
caso a caso e podia ser negada a posse da primeira ou da segunda arma. Esse
decreto permite até quatro armas sob apenas uma análise de uma efetiva
necessidade. Com o atual decreto, considerando índice de homicídio na região de
residência da pessoa, qualquer cidadão hoje pode requerer uma arma com a
justificativa de simplesmente ser residente no Brasil. Antes você tinha de
provar porque precisava ter arma, hoje basta mostrar que é brasileiro e ter um
endereço fixo. Sobre critérios para ter posse de arma: no momento em que o
decreto facilita a compra de arma, basta dizer que você mora no Rio, em São
Paulo, ou em qualquer cidade do país, dizer que é dono de um estabelecimento
comercial para estar apto a requerer uma arma. Esses são critérios totalmente
abstratos, o que você está fazendo é colocar uma enormidade de armas nas ruas.
Uma pesquisa do Ipea, de 2013, mostra que a cada 1% de aumento do número de
armas disponíveis você aumenta em 2% a taxa de homicídio. Isso é muito sério.
Nem carteira de motorista tem validade de 10 anos, como você vai dar validade
de posse de arma por 10 anos? Isso precisa ser regular. É mais difícil hoje ter
uma carteira de habilitação do que ter uma arma. Hoje os critérios são
abstratos, isso é perigoso porque deveria ser real, efetivo, dinâmico".
Instituto Igarapé (Ilona Szabó, diretora-executiva) – "O
decreto era uma demanda antiga, mas, honestamente, acho que é um pouco de uma
distração. O próprio membro da base do governo, [deputado] Delegado Waldir,
disse que nem a posse nem o porte de armas trarão mais segurança para a
sociedade. O que a gente está querendo discutir é: ‘Governo, quais são as
medidas que vão trazer segurança para a sociedade?’. Porque é isso que o povo
espera: um país mais seguro (...) Quando a gente pensa nas medidas que estão
sendo discutidas como posse e porte, acaba sendo uma terceirização. Porque num
estado democrático de direito, a principal responsabilidade de um governante é
proteger os cidadãos. Estão dizendo para gente: ‘A bola está com vocês, agora
vocês se viram. Estou terceirizando e vocês se viram. Seja para posse ou porte.
Vai lá e faça justiça com as próprias mãos’. Esse é o pior dos cenários. (...).
Não podemos nos distrair, vamos de fato olhar e cobrar as medidas que nos
trarão mais segurança. É isso que o brasileiro quer e o governo foi eleito com
essa bandeira. Já que eles assumiram que essas propostas não trarão mais
segurança, vamos cobrar. Cadê as propostas que trarão mais segurança para a
população? (...) O mundo, antes de ter o estado democrático de direito, era
assim que funcionava. A nossa realidade hoje, por experiência de pesquisa,
mostra que só vai piorar. No final das contas, a gente está deixando de ver um
plano que possa trazer no tempo sustentável um plano de segurança pública para
o nosso país. (...) Na nossa opinião, a gente não é contra a posse de armas
para os cidadãos que cumpram os requisitos da lei. Mas a gente sabe que mais
armas em casa trazem mais riscos de acidentes com criança, suicídios, mais
chance da sua arma ser roubada do que usada em sua legítima defesa. A gente
deveria estar discutindo estes riscos."
Instituto
Sou da Paz – "O Instituto Sou da Paz lamenta a decisão tomada pela
Presidência da República em alterar o Decreto nº 5.123/2004, que regulamenta a
lei que ficou conhecida como Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) e
integra a Política Nacional de Controle de Armas de Fogo e Munições. Ainda que
pesquisa recente (Datafolha, publicada em 31 de dez de 2018) mostre a rejeição
de 61% da população brasileira em facilitar o acesso a armas de fogo, o
presidente Jair Bolsonaro decretou a flexibilização de requisitos que vão
permitir que mais armas entrem em circulação em todo território nacional.
Majoritário na população é o desejo pelo investimento sério e estratégico em
segurança pública, responsabilidade da qual o governo se desvia ao fomentar a
ilusão de que cidadãos armados estariam protegidos, sendo que o uso da arma
para defesa pessoal presume que ela esteja em alcance imediato e que o cidadão
tenha um grau de treinamento irreal no cotidiano. Além disso, com as regras
propostas, o governo federal abriu mão de controlar as armas registradas, aumentando
o tempo de registro para 10 anos e, na prática, eliminando a análise realizada
pela Polícia Federal para a concessão da licença. É preocupante que o conceito
legal de efetiva necessidade, estabelecido pela Lei nº 10.826/2003, seja
interpretado pelo decreto a partir do índice de homicídios registrados em
pesquisa produzida em 2016, ou seja, num momento único. Ao congelar a efetiva
necessidade aos dados de 2016, o decreto atende a uma realidade daquele ano e,
na prática, suprime este requisito legal para todos os pedidos de licença em
todo território nacional, uma vez que não havia nenhum estado com menos de 10
mortes violentas por 100 mil habitantes naquele ano. Outro ponto de destaque é
o aumento do tempo de registro da arma de fogo. O decreto aumenta o prazo para
renovação do registro para 10 anos, ou seja, requer que psicólogos garantam que
as pessoas continuarão em suas plenas faculdades mentais pelos próximos 10
anos. Do mesmo modo, ninguém consegue garantir que permanecerá com capacidade
motora para usar uma arma de maneira responsável sem atingir ninguém no mesmo
período. Se para dirigir um automóvel renovamos a Carteira de Habilitação de 5
em 5 anos, não há sentido na prorrogação de prazo para 10 anos. O Artigo 2º do
decreto também é grave ao determinar a renovação automática de todos os
registros já expedidos sem qualquer verificação sobre se essas pessoas
continuam cumprindo os mesmos requisitos de quando compraram suas armas nos
últimos 15 anos. Por fim, e mais importante, alertamos que um dos prováveis
efeitos do decreto assinado hoje será o aumento das mortes violentas por
motivos banais, como o caso do atirador da catedral de Campinas que, ainda que
não tenha usado armas registradas, teve acesso a armas e causou uma tragédia
que poderia ser evitada não fosse o alto número de armas em circulação. Além
disso, a circulação de armas de fogo aumentará a oferta de armas aos
criminosos. Levantamentos realizados em CPIs do Congresso Nacional e da
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, assim como pesquisas realizadas pelo
Instituto Sou da Paz em parceria com o Ministério Público do Estado de São
Paulo, apontam que a maior parte das armas de fogo utilizadas em ocorrências
criminosas são de fabricação nacional e em algum momento foram comercializadas
de forma legítima a cidadãos autorizados, que posteriormente tiveram sua arma
desviada ou subtraída, passando ao mercado ilegal."
Instituto
Sou da Paz (Natália Pollachi, coordenadora de projetos) – "A definição
de efetiva necessidade abarca todos os estados, mesmo São Paulo, que estava
acima do índice em 2016. É uma medição estática de 2016, que hoje não se
aplica. Isso reverte a lógica de necessidade, já que São Paulo hoje não
entraria nessa faixa. O termômetro não é real, já que o Brasil tem realidades
diferentes e cada região tem taxas [de homicídio] diferentes. O trecho sobre as
pessoas que moram com criança ou pessoa deficiência mental é completamente
inócuo porque é apenas uma declaração da pessoa. E o local para guardar a arma
pode ser um armário, e não um cofre. Quem é que vai fiscalizar? O decreto não
fala que precisa ficar trancado no cofre. (...). Ao ampliar a validade de
renovação do registro [da posse de arma], o governo enfraquece o requisito de
investigação. Quando a pessoa tem que ir lá de 5 em 5 anos, a polícia atualiza
os dados. Tudo isso será feito só de 10 em 10 anos, e não de 5 em 5 anos. Não
teremos nenhuma notícia se a arma foi roubada, por exemplo. (...). Agora, a
certificação é renovada anos depois sem comprovar se os requisitos se mantêm.
Não sabemos as condições psicológicas, os antecedentes e os processos
criminais. É uma anistia para quem teve alguma coisa em algum momento."
Movimento
Viva Brasil (Bene Barbosa, presidente) – "É muito difícil avaliar
neste momento se o decreto foi mais positivo ou mais negativo no que diz
respeito ao acesso às armas pelo cidadão comum. O que fica muito claro é que,
se esse decreto tivesse vindo do governo Temer, que não tinha nenhuma pauta
voltada a isso, a recepção seria completamente diferente. Como veio do governo
Bolsonaro, que é alguém muito ligado a esse tema e realmente faz parte da
campanha, [o decreto] acabou gerando uma certa decepção. A impressão que as
pessoas estão tendo - as pessoas que acompanham mais de perto esse assunto - é
que poderia ter feito mais, e foi feito pouco. Agora é aguardar se haverá
outras mudanças, se haverá medidas provisórias nesse sentido, se outros
decretos, como os que regem a vida dos atiradores, colecionadores e caçadores,
vão ter alguma alteração. Mas ainda é muito cedo para prever o desenrolar
disso. Embora eu considere, como eu disse, um decreto muito tímido e muito
abaixo do que era esperado, eu considero positivo. Pelo menos é um avanço, um
começo para as modificações que devem ocorrer no Legislativo, no Congresso,
onde estão tramitando outros projetos de lei."
Núcleo de
Estudos da Violência, NEV, da USP (Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador
do NEV) – "O estatuto e a forma como vinha sendo aplicado era um ponto
favorável para as forças de segurança pública. O que se discutia até então era
até que ponto se restringia um pouco mais. O fato de não existirem critérios
objetivos poderia ser corrigido, [mas] não significa que esses critérios
objetivos devam ser criados para facilitar o acesso [à posse de arma]. O ponto
é que você pode criar esses critérios objetivos, mas não banalizar, não
favorecer a venda no mercado de armas brasileiros."
Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal, Sindipol-DF
(Flávio Werneck, presidente do Sindipol e especialista de segurança pública) –
"O decreto de regulamentação do Estatuto do Desarmamento, publicado hoje,
tem um viés positivo, porque deixa claros quais os requisitos legais existentes
e necessários para que se tenha a posse de arma, que é o direito de ter a arma
para sua defesa pessoal e de sua família em casa ou em seu estabelecimento
comercial. Primeiro, por retirar os traços subjetivos da legislação, que era a
interpretação do delegado da Polícia Federal sobre a estrita necessidade para
se ter a posse da arma. Essa quebra do monopólio discricionário diminui a
possiblidade da prática de corrupção no órgão, assim como a sensação de que é
preciso ser amigo ou ter alguma influência dentro do órgão público para ter o
direito deferido. O que se pode observar também é que decreto presidencial
escolheu um critério objetivo relevante que é o da classificação da ONU para
locais de alta violência. Para se poder ter o direito ao posse de uma arma de
fogo, o cidadão precisa morar numa cidade onde há registro de dez homicídios
por cem mil habitantes. Já o critério que permite a todo comerciante ter a
posse de arma não é igualmente objetivo, por ser muito amplo. Além de não
delimitar a localidade, esse item gera dúvidas, porque não diz nada a respeito
do estabelecimento comercial que não é predial com endereço fixo, como é muito
comum hoje em dia na era digital. Por serem virtuais, essas lojas online não
estão sujeitas à violência urbana, portanto, fora do critério de defesa pessoal
e patrimonial. Isso sem falar do comerciante fictício, que tem o registro do
CNPJ, mas não está em atividade. Essas brechas podem dar margens para
questionamentos na Justiça. É igualmente importante ressaltar que os demais
requisitos objetivos legais do Estatuto de Desarmamento continuam valendo: ter
mais de 25 anos de idade; passar no psicotécnico; ter proficiência e curso de
tiro; ter condições financeiras para comprar a arma; e não ser ficha suja.
Sobre os objetivos do decreto, que é dar segurança ao cidadão, a medida é
inócua. Esse decreto é terciário na discussão de políticas públicas para
combater a violência no país. A regulamentação por si só não vai diminuir os
índices de criminalidade da forma necessária. Para que se tenha um programa
eficiente de segurança pública é preciso desenvolver planejamentos de curto,
médio e longo prazos. A curto prazo: criar meios e inteligência para atacar as
organizações criminosas e o pequeno e médio crimes, que afetam diretamente a
população. A médio e longo prazos, com o tripé que pressupõe a empregabilidade
do brasileiro, educação de qualidade, habitação digna com as estruturas
necessárias. Sem esses pré-requisitos, não há lugar no mundo que se tenha
noticia de que caíram os índices de violência."
DECRETO DE POSSE DE ARMA