A suspensão
das bolsas de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado)
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) , ligada ao
Ministério da Educação (MEC),
poderá afetar pesquisas e interromper o avanço da ciência no país.
O G1 ouviu bolsistas e ex-bolsistas
da Capes para saber como a medida pode impactar no desenvolvimento da ciência
do país.
Para a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG),
que critica a forma como o governo busca economizar recursos, a medida "fere
de morte" o ensino superior do país e pode acabar
"enterrando qualquer possibilidade de retomada do desenvolvimento
brasileiro e de futuro".
'Pedi a exoneração'
Marcela Oliveira*, de 30 anos, faz mestrado sobre
demografia, população e meio ambiente na Unicamp. A pesquisa que ela desenvolve
é sobre o projeto Geopark Corumbateí - iniciativa para desenvolvimento
sustentável da bacia do rio Corumbateí, no interior de São Paulo.
Quando as aulas começaram, em fevereiro, Marcela era
professora em uma escola da rede estadual. “Eu não tinha bolsa, então estava
difícil conciliar o mestrado com meu emprego. Não conseguia viajar para
congressos, publicar artigos”, diz. “Em abril, minha orientadora avisou que uma
bolsa da Capes estava disponível. Eu precisaria pedir demissão para
consegui-la. ”
Ela assinou o contrato da Capes e foi exonerada no
trabalho no dia 29 de abril. Em 8 de maio, soube que o benefício havia sido
cortado.
“Minha bolsa não estava ociosa. Só ficou
desocupada por poucos dias, enquanto enviava a documentação. Estou triste,
frustrada, nem consegui contar para a minha família ainda. Eu tinha um emprego
estável. Não sei se conseguirei levar adiante o mestrado”, conta Marcela,
mestranda em demografia.
'Pedi demissão'
Fábio Dantas*, de 27 anos, é advogado e faz mestrado
em direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele se inscreveu no
processo seletivo de bolsas de estudo da Capes, lançado em abril.
No mesmo período, cinco estudantes da instituição
concluíram o mestrado, e suas bolsas foram liberadas para os novos alunos. “Fui
convocado, entreguei minha documentação e saí do meu trabalho. Para ter o
benefício, não poderia ter vínculo empregatício no escritório”, conta.
Após todo o processo de assinatura de contrato, o sistema
da Capes estava fora do ar. Quando foi restabelecido, na última quarta-feira
(8), não mostrava mais a bolsa de Fábio como disponível.
“Vou precisar voltar para o mercado de trabalho,
e isso atrapalha minha pesquisa. Estava tudo certo e, de repente, perdi o
benefício. Não dá para aceitar”, diz Dantas, mestrando em direito.
'Efeitos devastadores'
Rafael Scabin, de 35 anos, está no segundo ano do
doutorado na Universidade de São Paulo (USP) – até então, cursado sem bolsa. No
processo seletivo de 2019, ele ficou em primeiro lugar e foi informado de que
conseguiria o benefício. Ele estuda língua e identidade italianas na cidade de
São Paulo na época da imigração.
Na quarta-feira (8), foi informado de que a bolsa
havia sido cortada. “Contava com isso para aumentar minha dedicação à
pesquisa”, afirma.
“Estava aguardando apenas a burocracia para a
liberação das vagas de quem defendeu a tese em março ou abril”, diz Scabin.
“Sei que, muitas vezes, as pessoas analisam
individualmente uma pesquisa de humanas, como a minha, e não enxergam nenhuma
utilidade. O prejuízo é muito mais evidente quando se interrompe uma pesquisa
de laboratório. Mas é preciso levar em conta que cada área do conhecimento tem
suas especificidades, tanto no modo de fazer pesquisa quanto na maneira de dar
retorno à sociedade”, afirma.
“Pode parecer irrelevante encerrar uma pesquisa de
letras em curto prazo, mas um corte dessa magnitude, em médio e longo prazos,
tem efeitos devastadores. Acho uma irresponsabilidade isso ser decidido por
pessoas que mostram um desconhecimento total do funcionamento da academia”,
critica Rafael.
'1 ano e meio de organização'
Juliana Doretto, de 38 anos, é graduada em
jornalismo (USP), mestre em ciências da comunicação (USP) e doutora pela
Universidade Nova de Lisboa, após conseguir uma bolsa no exterior. “Foi um
período excelente, tive contato com outras bibliografias e culturas”, conta.
Atualmente, ela é professora em uma faculdade
particular de São Paulo. Foi aprovada para o pós-doutorado na Escola Superior
de Propaganda e Marketing (ESPM), na capital. “Quando abriram o processo
seletivo, fiz o projeto de pesquisa e fui selecionada. A Capes me informou de
que eu poderia iniciar as aulas no segundo semestre, para conseguir terminar
meus atuais trabalhos. Mas, se precisasse começar hoje, começaria, sem problemas”,
conta.
Até que, em maio, Juliana foi informada de que sua
bolsa havia sido cancelada. “Eu planejei minha vida para a pesquisa acontecer.
Ia estudar o consumo de informação de crianças imigrantes, a relação delas com
o jornalismo”, conta.
“Fui vítima de algo estapafúrdio. Um corte que
afeta bolsas já concedidas, de pessoas que se organizaram para isso. Acordei
desolada”, diz Doretto.
Da bolsa à patente
A professora da Universidade Federal do Oeste do
Pará (Ufopa) Kariane Nunes diz que conseguiu se graduar, especializar e
desenvolver suas pesquisas porque recebeu a bolsa da Capes ao longo de cinco
anos de formação acadêmica. Agora, atuando como professora, ela ressalta a
importância do benefício para o avanço da pesquisa.
"A bolsa permitiu que eu me dedicasse
inteiramente à pesquisa, que exige muita observação e dedicação. As máquinas e
equipamentos realizam procedimentos, mas quem observa e discute o que aconteceu
somos nós. O recurso humano é necessário e indispensável. É uma entrega",
diz Kariane, professora da Ufopa.
Graduada em farmácia, ela tem mestrado, doutorado e
pós-doutorado em ciência farmacêutica. Seus estudos envolvem o desenvolvimento
de um gel de calêndula (Calendula officinalis) – que auxilia na
cicatrização de ferimentos na pele –, o estabelecimento de uma plataforma
tecnológica de desenvolvimento de fitoterápicos e um medicamento odontológico
para tratar bolsas de bactérias na gengiva. O resultado pode levar a menores
custos em tratamentos de saúde na rede pública.
Hoje, ela atua dando aulas na universidade pública e
em um projeto de patenteamento de medicamentos fitoterápicos desenvolvidos com
base em matéria-prima da Amazônia.
Entenda o que é a Capes
A Capes é uma fundação do MEC responsável por
avaliar os cursos de pós-graduação, divulgar as informações científicas,
promover a cooperação internacional e fomentar a formação de professores para a
educação básica.
Ela foi criada em 1951 e oferece, ao todo, quase 200
mil bolsas de estudo em 49 áreas de estudo para universitários da rede pública
e privada: são 92.253 bolsistas na pós-graduação (no Brasil e no exterior) e
107.260 bolsistas de programas de formação de professores da educação básica.
Os valores das bolsas são, em média, de R$ 1,5 mil
para o mestrado e de R$ 2,2 mil para o doutorado.
No site da Capes é possível ter acesso a pesquisas
em destaque. Entre elas, há o estudo que usa dados da Justiça para
aprimorar as políticas públicas de saúde e a pesquisa sobre resfriamento de
reatores nucleares, além do estudo sobre uma mutação genética que ajuda na
proteção contra a malária.
Atualmente há 10
programas ativos da Capes em que o estudante pode solicitar bolsa.
O pedido pode ser feito junto à universidade ou direto na Capes.
Capes suspende concessão de bolsas de mestrado e
doutorado
Bom Dia Brasil
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*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados