Um novo corte
no já reduzido orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC), anunciando na semana passada pelo governo de Jair
Bolsonaro, ameaça o pagamento de bolsas de estudo e, por extensão, a produção
científica brasileira.
O alerta veio
de algumas das principais entidades científicas do país, que estimam que, com a
redução de verbas destinadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), só será possível cobrir auxílios a alunos e pesquisadores
até julho. Para o resto do ano, não há verba.O CNPq é a principal agência de
fomento à pesquisa científica do país e está subordinada ao MCTIC. Fornece
aproximadamente 80 mil bolsas, bancando 11 mil projetos. No início do ano, o
orçamento do órgão já tinha um rombo de R$ 300 milhões, o que só viabilizaria o
pagamento de bolsas até setembro. Na última sexta-feira, o cenário de crise foi
acelerado, com um decreto estabelecendo o contingenciamento de 42,2% das verbas
previstas para a pasta em 2019.
— Este corte
prejudica a formação de pesquisadores que poderiam contribuir para áreas
críticas ao progresso do país, como o desenvolvimento de remédios que permitam
enfrentar epidemias ou tecnologias para aumentar a segurança de barragens —
avalia Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Ele também
prevê que alunos de pós-graduação tenham de deixar os estudos, “porque precisam
de recursos para sobreviver”, e que os bolsistas que estão fora do país tenham
de retornar.
Presidente do
Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Evaldo Ferreira
Vilela recorda que o CNPq teve dificuldades para pagar os bolsistas até o final
do ano passado. Em 2019, acredita, será pior.
— Não estou
vendo disposição da área econômica do governo para resolver esta conta —
critica. — Os bolsistas de mestrado ganham R$ 1.500 mensais. Os alunos de
doutorado, R$ 2.200. No ano passado, em Minas Gerais, vi estudantes recebendo o
auxílio com 15 dias de atraso e que tiveram dificuldade para pagar ônibus e
comprar comida.
Para Vilela, a
área mais afetada será a de pesquisa em saúde, devido à grande quantidade de
tecnologias usadas em hospitais para procedimentos como cirurgias, facilitando
o diagnóstico dos pacientes.
João Luiz
Azevedo, que assumiu a presidência do CNPq em fevereiro, ainda não sabe como a
tesourada no MCTIC afetará sua agência.
— Sei que
existe um corte, mas não tenho informação de como será distribuído dentro do
ministério, mesmo porque o ministro (Marcos Pontes) está em Israel com o presidente.
O que estava faltando continua faltando — afirma.
O cofre vazio
não é o único problema de Azevedo. O CNPq testemunha uma queda significativa em
seu quadro de servidores desde 2012, quando foi realizado o último concurso
público para a agência. À época, contava com 700 funcionários. Hoje, são 417,
sendo que 45 estão cedidos para outras áreas do governo e 74 já estão aptos à
aposentadoria.
Em uma carta
divulgada no início da semana, seis entidades científicas destacam que “a
formação de grupos de pesquisa competentes custou décadas de esforço nacional”:
“São eles que
permitem enfrentar epidemias emergentes, aumentar a expectativa de vida da
população, buscar novas fontes de energia, garantir a segurança alimentar (…).
Se essas restrições orçamentárias não forem corrigidas a tempo, serão
necessárias muitas outras décadas para reconstruir a capacidade científica e de
inovação do país”.
Para criticar
os cortes orçamentários amparados em justificativas econômicas, o presidente da
ABC cita estudo internacional que mostra que cada real investido em pesquisa
tem retorno de três a oito vezes maior.
— Para combater
a crise econômica, o governo prefere reduzir a relação entre a dívida e o PIB.
Outros países apostam no aumento do PIB, e isso significa dar recursos para a
ciência e a tecnologia — diz Davidovich.
A carta também
destaca que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que
financia a inovação e a infraestrutura de pesquisa nas instituições de ciência
e tecnologia, teve mais de 80% de seus recursos contingenciados.
— É difícil
acreditar que algum investimento terá continuidade — lamenta Vilela. —
Atingimos um patamar importante em diversas áreas da pesquisa, mas sempre com
dificuldade. Então, qualquer corte tem um efeito muito sério. Vemos agora como
não há um plano para o desenvolvimento do país.
De O Globo